sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ARTIGO ESPECIAL: PASTORAL DO TURISMO


Pastoral do Turismo


Um lugar ao sol
O homem pode empenhar todo tempo da vida em busca de um lugar ao sol. Conquistar um lugar ao sol significa depositar muitas energias no homo faber (homem trabalho) que reforça a ideia capital de que “tempo é dinheiro”. A essência do tempo, nesta visão, é com a obrigação profissional. Em contrário, a recompensa do trabalho não contribui para a certeza de melhores condições sociais e de qualidade de vida. Empenhar-se totalmente
a esse projeto de vida reforça a ideia de que dar um tempo ao ócio é perder tempo. A própria doutrina cristã deliberou essa ideia de que o tempo é dinheiro. Por sua vez, essa reflexão mostra benefícios ao homem que se dispõe a um tempo de lazer e de cultivo da espiritualidade.
Com efeito, o cultivo da espiritualidade, para os católicos e outros cristãos, estimula a ideia de encontro pessoal com Cristo. Em prol dessa experiência de fé das pessoas, por um lado a Igreja destacou a prática comunitária, como a participação na liturgia eucarística dominical. Por outro lado, resta claro que crer em Deus evoca sempre uma atitude de entrega, de adesão, de proximidade e da presença que dá sentido à vida. Portanto, crer em Deus é um processo dinâmico. Além do racional, integra a esfera do sentimento e da vida, existindo um seguir da fé em Deus da Santíssima Trindade. Neste sentido pode-se dizer: quem crê em Deus não tem dificuldade em aproveitar o tempo de lazer para orientar-se com a realidade divina. Em resumo, a tarefa da pastoral de veraneio é revigorar pessoas de acordo com a vontade divina.
Lazer e ócio
A palavra lazer tem sua origem etimológica no latim, licere, ou seja, “ser lícito”, “ser permitido” ou “permissão”. Entende-se por permissão não a ausência de regras ou atividades. Por lazer entende-se um conjunto de atividades que a pessoa escolhe para repousar, divertir-se, entreter-se. Existem outras atividades de lazer destinadas a desenvolver a informação, a formação, a participação social voluntária. Então, as atividades de lazer estão ligadas à obtenção de momentos agradáveis, sem a obrigação de atividades regradas. Quanto à etimologia da palava ócio: do grego skolé e do latim schola, significa ato de parar ou cessar. Seguindo esta linha de raciocínio, entende-se por ócio uma ideia de repouso, de tempo sem ocupação ou de um tempo para si mesmo.
Por sua vez, as palavras lazer e ócio historicamente tiveram múltiplas compreensões. Para o filósofo Aristóteles, o ócio era uma condição de ser livre da necessidade de trabalhar, considerando que a atividade laborativa devia ser feita pelos escravos. Na Grécia, o ócio era privilégio dos cidadãos para o cultivo da sabedoria. Na sociedade romana o direito ao repouso com dignidade, o otium cum dignitate, era uma necessidade em decorrência do trabalho. Na Idade Medieval os senhores feudais desvalorizavam o trabalho em prol da significação positiva do tempo livre. Na sociedade pré-industrial a labuta iniciava ao alvorecer e terminava quando a luz do dia faltava. As pausas eram impostas pelos domingos e feriados religiosos, e nas atividades rurais, pela chuva.
Lazer virou sinônimo de consumo?
Mais tarde, na sociedade industrial, o lazer e o ócio tiveram alterações com o fim da sociedade de produção, dando lugar a uma sociedade de consumo. Na sociedade de consumo, o trabalho tem por objetivo a produção máxima com o menor esforço. A partir desta visão, a jornada de trabalho otimiza a produtividade na ideia de Henry Ford: o cidadão segue o ritmo mecânico, sem repouso.
Já na sociedade pós-moderna, com o avanço da mecanização, da computação e das conquistas sindicais, a ideia de lazer vem sendo modificada. Nessa esteira vincula-se o marketing de poderosas mídias que procuram enquadrar o lazer e o ócio com a necessidade de dinheiro e consumo. Por conseguinte, desejar um lugar ao sol não tem por primeiro objetivo conquistar um tempo agradável de descanso ou de livrar-se da fadiga, mas possibilidades de gozar das condições de consumo.
Visão bíblica e teológica do lazer e do ócio
Em contexto contemporâneo, a obrigação do trabalho em prol de um lugar ao sol pode produzir sintomas e consequências: estresse, cansaço, fadiga e baixa auto-estima. Diante disso e em defesa da maior produtividade com pouco custo e muitos benefícios, fundamenta-se que o homem necessita de lazer e do ócio. Eis então a importância do tempo de descanso para produzir mais, melhor e sem perdas.
Em contraposição a essa lógica e por valorizar a condição humana, a concepção bíblica ajuda a compreender as vantagens desse tempo de merecido descanso. Segundo a teologia do Eclesiastes “tudo tem seu tempo e ocasião, todas as tarefas sob o sol” (Ecl 3,1ss). Isto significa que há um tempo para o trabalho e um tempo de descanso. A aceitação dessa orientação vem ao encontro dos limites da natureza humana. Por conseguinte, o remédio é abandonar certas ambições e agir para conquistar os bens agradáveis concedidos por Deus e não pelo veredito de vaidade.
Prosseguindo nessa visão, a teologia da criação entende que essa ideia deveria ser aceita, pois “Deus abençou o sétimo dia e o consagrou, porque neste dia Deus descansou de toda sua obra criadora” (Gn 2,3). Isto significa, segundo a lógica da teologia da criação, que tudo é bom desde a origem e por ela o homem é coroa de um universo excelente.
“Vinde descansar um pouco”
Nesse entendimento, o tempo de descanso é determinado para cultivar a experiência com Deus e a comunhão com toda sua obra. Logo, o sétimo dia - para os cristãos o domingo -, foi consagrado ao descanso porque segundo a teologia da criação, o trabalho é fatigante e por vezes pouco fecundo em matéria de desenvolvimento humano. Sendo assim, o tempo de lazer consiste em regular a relação homem e Deus e definir a extensão e o limite com relação à obrigação ocupacional.
Atualmente desejar um lugar ao sol alimenta o sonho de melhor qualidade de vida. Incutir esse sonho nas pessoas leva a supervalorizar a ideia de que tempo é precioso. Consequentemente, observa-se o surgimento de empresas e profissionais prestadores de serviços visando minimizar a ocorrência de doenças e de estresse ocupacional adquiridos por excesso de trabalho.
Em contraposição a essa conexão de argumentos considera-se o posicionamento de Jesus a respeito do tempo de descanso. Jesus, após um tempo de trabalho percorrendo o povoado da Palestina, convida os apóstolos: “Vinde vós, sozinhos, a um lugar despovoado, para descansar um pouco” (Mc 6,31).
Descanso e fé
Em seu posicionamento Jesus ressalta duas dimensões. Numa, pela necessidade de anunciar a Boa-Nova, os discípulos obrigatoriamente precisam de um tempo de descanso. Na outra, no cansaço dos discípulos revela-se a sensiblidade divina para com o ser humano.
Sobre esta concepção de Jesus, a teologia cristã em defesa do tempo de interrupção das obrigações ocupacionais valoriza dois aspectos. O primeiro, por considerar o tempo de descanso uma questão de limite da natureza humana. Ninguém poderia trabalhar o tempo todo sem descanso. O segundo, por considerar o tempo de descanso uma questão de artigo de fé.
O domingo é o dia do Senhor. O cristão considera guardar domingos, dia santos e lazer uma necessidade de repouso e de prática de culto a Deus. Isto significa um tempo próprio para orientar a sua experiência religiosa e determinar ações de conduta moral. Em resumo, a teologia cristã considera que a observância do Evangelho amplia os horizontes da natureza humana pelo cultivo espiritual.
Pastoral do veraneio
A partir dessas considerações podem-se vislumbrar novas tarefas para os evangelizadores e novos benefícios para as pessoas que gozam de um tempo de descanso. Em primeiro lugar, para requerer esses benefícios é necessário desconstruir certas compreensões sobre o tempo de férias.
Ouve-se que “o cristão não tira férias”. É preciso desconstruir essa ideia para construir outra com base na prática de Jesus. Ao considerar que Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro humano, sentiu a fadiga e percebeu o cansaço em seus discípulos, quanto mais os seres humanos necessitam de repouso. Segundo essa visão, seguir a Cristo é para toda a vida e justo por isso precisa de um tempo de férias para prosseguir com mais vigor nessa escolha. Assim, o cristão com obrigações ocupacionais é igual a qualquer ser humano, portanto, inclinado a permitir-se um razoável tempo de descanso.
Ao considerar o lazer um direito da pessoa e porque interefe no desenvolvimento do indivíduo e organização social, passa-se a melhor valorizá-lo. Por sua vez, as férias são para muitos a oportunidade de mudança de atividades e de lugares para viver um tempo livre e agradável. Por conseguinte, a região litorânea do estado é a preferida para práticas lúdicas e religiosas.
Quanto ao aspecto religioso, todas as igrejas cristãs e não-cristãs, religiões e seitas buscam o litoral para seus cultos exteriores e a visibilidade do modo de adoração. Em tempo de veraneio diversas denominações religiosas procuram aumentar seus adeptos e aperfeiçoá-los no seguimento dos artigos de fé e aspectos morais. Por vezes, observa-se por parte das religiões um forte interesse e requerem dos gestores municipais estrutura e logística para suas manifestações públicas. Devidamente aceitas em contexto plural religioso, todas procuram um lugar ao sol.
Entusiasmo religioso
A partir desses fundamentos, há compreensão da complexidade de evangelizar em tempo de veraneio. Isto requer determinação pastoral da Igreja e, como paróquia, almeja-se ampliar e reforçar práticas da Igreja com maior demanda no veraneio, oferecendo por exemplo bom acolhimento pastoral para o crescimento da fé em Cristo; celebrações eucarísticas preparadas e animadas; acolhida dos que buscam revigorar-se na fé. É preciso valorizar a devoção popular e distinguir a fé da superstição; ter entusiasmo religioso em todas as tarefas e claras ideias a orientar a conduta cristã.
A tarefa de evangelização em tempo de veraneio pede novas respostas com base no método de Jesus de Nazaré e com uma doutrina teológica a subsidiar a fé cristológica e trinitária. Com força particular, pede a ação da comunidade local na construção de ambiente e espaço sagrado que chame para o encontro com Cristo. Diante disto, os cristãos e agentes de pastoral precisam assumir atitudes de empenho e perserverança pela evangelização da sociedade com autênticos valores de construção do Reino e de promoção humana pela oração e pela prática.
Essas são, entre outras, questões que a pastoral de veraneio pretende trabalhar em defesa do encontro com Cristo. A fé é um tema que permeia o tempo de repouso e por isso confia-se à comunidade cristã a tarefa de acolher com hospitalidade as pessoas para que, após terem cumprido suas obrigações de trabalho, desfrutem das maravilhas de Deus, tenham um bom descanso e mais motivos para louvar ao Criador. Eis então, que se faz presente o tempo de veraneio, tempo de disputar um lugar ao sol.
por Frei Miguel Debiasi
mestre em filosofia e teologia