sábado, 8 de março de 2014

Transcrevo a palavra do bispo diocesano de Osório, Dom Jaime Pedro Kohl.

Palavra do Bispo

Fraternidade e Tráfico humano
A Campanha da Fraternidade (CF) promovida pela Igreja Católica completa 50 anos. Começa sempre na quarta-feira de cinzas e se estende durante toda a quaresma, tempo de particular reflexão sofre mistério da Redenção que se dá através da paixão, morte e ressurreição de Jesus. O tema deste ano é Fraternidade e Tráfico Humano e o seu lema “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).
A CF 2014 trata de um tema quase “invisível”, mas que faz milhões de vítimas e gera bilhões de dólares para pessoas e instituições inescrupulosas, uma trágica ferida que assola todos os povos especialmente os de condições econômicas mais frágeis e as pessoas marcas pela pobreza e precariedade.
O Objetivo geral desta CF é identificar as práticas de tráfico humano em suas várias formas e denunciá-lo como violação da dignidade e da liberdade humana, mobilizando os cristãos e a sociedade brasileira para erradicar esse mal, com vistas ao resgate da vida dos filhos e filhas de Deus.
Os objetivos específicos apontados para realizar o geral são: 1) identificar as causas e as modalidades do tráfico humano e os rostos que sofrem com essa exploração; 2) denunciar as estruturas e situações causadoras; 3) reivindicar dos poderes públicos, políticas e meios para reinserção das pessoas atingidas na vida familiar e social; 4) promover ações de prevenção e de resgate da cidadania das pessoas em situação de tráfico; 5) suscitar a luz da Palavra de Deus, a conversão que conduza ao empenho transformador dessa realidade aviltant e; 6) celebrar o mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo, sensibilizando para a solidariedade e o cuidado às vítimas desse mal.
Segundo as informações que temos existem três formas ou fins de tráfico humano: para a exploração sexual, para a exploração do trabalho análogo ao escravo e para extração de órgãos. As vítimas são sobretudo crianças, adolescentes e mulheres. E a maior incidência é para a exploração sexual.
Quando ouvimos falar em tráfico, nosso pensamento logo vai para algo ilícito, como tráfico de armas e de drogas. Quase não conseguimos entender como possa ainda existir tráfico de pessoas. Para uma humanidade que se diz civilizada, como pode admitir que existam pessoas ganhando dinheiro e muito dinheiro comercializando seus semelhantes? Que civilização é essa que usa e abusa de pessoas inocentes?
Só de pensar nos repugna e suscita em nós indignação e deploração de tal brutalidade e violência, muitas vezes invisível e silenciosa, mas que atinge seres humanos que pagam por pecados que nunca cometeram: só porque são pobres, crianças, mulheres...
Vem-me à mente aquele pensamento, não lembro no momento o seu autor: “Quanto mais conheço o homem estimo os animais”. Sim, porque o animal, geralmente, não é tão cruel e violento com sua espécie, como é o homem quando se deixa tomar pela ganância e pelo ódio.
É a primeira vez que se toca nessa trágica ferida da nossa sociedade, nessa terrível ofensa contra a dignidade da pessoa humana. São mais do que a gente pensa. Segundo a Organização Mu ndial do Trabalho, as vítimas de trabalhos forçados em 2012 foram 20,9 milhões. Cada ano, 2 milhões de pessoas são vítimas para fins sexuais e 60% são meninas.
As vítimas são presas fáceis dos que se aproveitam de situações de vulnerabilidade em luta pela sobrevivência. Os aliciadores, a serviço do crime organizado do tráfico humano iludem pessoas com promessas de emprego garantido, alta remuneração, documentação assegurada, entrada para o mundo dos modelos de grandes marcas ou para o mundo dos artistas de muitas áreas, especialmente a dança. Aparentemente nada que se parece com tráfico humano. As vítimas acabam totalmente dependentes dos supostos benfeitores, mas na verdade são grandes malfeitores.
Esse crime faz as pessoas sofrerem a vergonha e a indignação de que foram vítimas, a pe rda da liberdade, tendo que fazer o que nunca esperavam, o isolamento da família, uma dívida sem fim, a convivência com ameaças de morte. É aviltante só de pensar em obrigar alguém a vender o próprio filho ou um órgão dele para poder sobreviver.
Com propriedade o Papa Francisco definiu essa prática: “O tráfico de pessoas é uma atividade ignóbil, uma verdadeira vergonha para as nossas sociedades que se dizem civilizadas”.
Vem aí a Copa do Mundo; muitos turistas vem conhecer o nosso bonito Brasil. O que vamos oferecer? Será que para ser modernos precisa oferecer ostentação, luxuria e turismo sexual mercantilizando meninas e meninos a preço de ouro?
É ocasião para mostrarmos ao mundo que o nosso povo tomou consciência de sua dignidade, que não é um povo leviano e sem ética, mas que sabe de seus direitos humanos e deveres morais.
Fiquemos atentos a tudo e a todos. Não deixemos que nos tirem a liberdade para qual Cristo nos libertou. Denunciemos toda suspeita de opressão e violência sobre quem quer que seja, porque todo homem ou mulher é um nosso irmão ou irmã.
Que Deus, Pai de todos, nos livre dessa trágica ferida. Amém.
Dom Jaime Pedro Kohl
Bispo de Osório


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