sábado, 22 de março de 2014

Transcrevo a palavra do bispo diocesano de Osório, Dom Jaime Pedro Kohl.

Palavra do Bispo

Senhor, dá-me dessa água?
Essa expressão saída da boca da samaritana, no evangelho que escutamos neste domingo, onde Jesus com toda simplicidade garante: “quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água, que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna”. Essa Palavra pode iluminar nossa caminhada quaresmal e nosso esforço de sensibilização proposto pela Campanha da Fraternidade sobre a questão tremenda do tráfico humano.
Em que sentido?
No sentido a atitude de Jesus fala muito se soubermos com os olhos da fé. Vemos que ele não discrimina os samaritanos como faziam os seus conterrâneos judeus, mas inclui e valoriza a pessoa como ela é. Basta lermos os Evangelhos e percebemos, com clareza, a importância que Jesus dispensa às pessoas, não importando se le prosos, aleijados, crianças, doutores da lei, publicanos, pecadores, estrangeiros. O sistema religioso do templo de Jerusalém excluía os samaritanos como um povo impuro e marginalizado, Jesus não.
Para entendermos a força das palavras e os gestos de Jesus convêm lembrar que para a tradição judaica, o poço representa a garantia da água oferecida por Deus ao povo, como a água jorrada da rocha durante o êxodo. Jesus ao sentar-se no poço está revelando que agora ele é o poço da água viva. E quem o acolhe encontra o sentido mais profundo da vida, qual fonte de água cristalina que jorra, gerando vida nova onde chega.
Será a samaritana e não os líderes religioso de Jerusalém quem vai reconhecer Jesus como o Messias, fonte de onde jorra água para a vida eterna.
Muitas são as aplicações que poderíamos fazer dessa imagem da água oferecida por Jesus e solicitada pela samaritana: “Senhor, dá-me dessa água que tu tens!”
Para nós cristãos deve ficar sempre mais evidente que, como fez e pregou Jesus, nenhuma situação humana nos autoriza a discriminar alguém. Se acreditamos que Deus é Pai, não podemos não reconhecer em cada ser humano um irmão ou irmã nosso. Portanto, por mais adversas que possam ser as diferenças de idade, raça, gênero, religião, situação social e econômica, nunca e nada justifica manipularmos alguém. Muito menos mercantilizarmos seres humanos para o trabalho escravo, exploração sexual e transplante de órgãos.
Dois mil anos de cristianismo e ainda não se conseguiu extirpar da sociedade esse terrível mal do egoísmo e da ganân cia que geram violência de irmão contra irmão, numa brutalidade sem tamanho, que até custamos aceitar que ainda exista esse tipo de crime, hoje.
A questão do tráfico humano não é uma fantasia da Igreja Católica, como alguém ousa acusar, mas um fato com reconhecimento mundial que preocupa também as autoridades civis. O governo brasileiro, por exemplo, já está no seu II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. As estatísticas falam de 20,9 milhões de pessoas vítimas de trabalho escravo e exploração sexual. Evidentemente, muitas vezes pelas situações constrangedoras em que as vítimas se encontram isso permanece na surdina, mas são pessoas muito concretas que sofrem violência a nível físico e psicológico.
Onde tudo isso tem origem? Nós cristãos dizemos do pecado hu mano. Do momento em o homem quer viver sem depender de Deus é que começa a violência de irmão contra irmão (Caim mata seu irmão Abel). E o mal vai crescendo como uma bola de neve. Hoje, isso é reforçado em nossa sociedade que se acha emancipada, pela falta de ética e de moralidade. Quando numa sociedade tudo é permitido em nome da liberdade nasce um grande engano e as consequências são deletérias.
A imoralidade e a libertinagem sutilmente difundidas pela grande mídia como algo normal e comum, como é o programa BBB e outros, com vistas grossas das autoridades competentes que até se atrevem a querer legalizar o mais odiondo dos crimes: o aborto. Quem mais inocente que a criança concebida no ventre de sua mãe? Até onde vai esse mundo que não quer respeitar a ordem das coisas dada por Deus criador? Até quando o Senhor terá paciência com as teimosias dos Adãos e Evas que querem ser eles a determinar para si e até para ou outros o que é bom ou mal?
Bebamos da fonte de água viva que é Jesus e seu Evangelho e nunca nos faltará a capacidade de reconhecermos a vontade de Deus, de compreendermos as leis naturais e respeitarmos a dignidade e a sacralidade da vida humana, vermos e acolhermos todo ser humano como um irmão e termos força para lutarmos contra toda forma de opressão, exploração e violência, pois “é para a liberdade que Cristo nos libertou”. A verdadeira liberdade será conquistada na medida que dermos a Deus o que é de Deus e ao homem o que é do homem.
Essa liberdade não é fazer o que a pessoa bem quer e entende, mas o que deve como cidadão e como cristão caso seja batizado. A verdadeira liberdade é capacidade de amar todas as pessoas, até mesmo os próprios inimigos, que na verdade não deveriam existir num mundo de irmãos.
Bebamos até a saciedade desta água cristalina do Evangelho de Jesus que toda divisão será superada, toda corrente que aprisiona será quebrada e a humanidade experimentará a liberdade dos filhos de Deus.
“Senhor, dá-me dessa água…!”

Dom Jaime Pedro Kohl
Bispo de Osório

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